O que acontecerá com o inquérito de Moraes contra Musk quando empresário entrar no governo Trump?

4 de Janeiro, 2025

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A partir de 20 janeiro de 2025, quando Donald Trump retornar à presidência dos Estados Unidos, o Brasil terá, de forma inédita, uma autoridade daquele país investigada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Dono da Space X e do X (antigo Twitter), o empresário Elon Musk será chefe do departamento de Eficiência Governamental americano. Ele é um dos alvos do inquérito das milícias digitais, que apura a atuação de grupos suspeitos de disseminar notícias falsas em redes sociais.

Procurada, a Corte não quis se manifestar, mas seus integrantes afirmam reservadamente que o status de Musk não interfere nas diligências. Especialistas ouvidos pelo Estadão divergem sobre a questão. O próprio status do cargo de Musk no governo ainda não está claro, já que houve declarações divergentes sobre se a função seria oficial, como anunciou publicamente Trump, ou de caráter externo à gestão.

Segundo o advogado Pablo Sukiennik, mestre em direito internacional pela Universidade de Brasília (UnB), o Brasil é signatário de tratados internacionais que exigem autorização do país de origem para a abertura de processos contra autoridades estrangeiras. Ou seja, seria necessário aval do governo americano para processar Musk.

“A corrente majoritária interpreta essa regra de forma ampla, para qualquer ato cometido, mas há visões que defendem sua aplicação somente em casos de atos praticados em nome do Estado. Essa leitura poderia ser adotada pelo STF para Musk, já que ele passou a ser investigado pelo que fez enquanto empresário e antes de ocupar cargo no governo americano.”

Sukiennik explica que a regra foi estabelecida na Convenção de Viena criada para dar segurança a membros de governos estrangeiros de que não seriam punidos em casos de mudança brusca de regime político.

O professor de direito internacional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Wagner Menezes, por sua vez, avalia que Musk deve estar submetido às mesmas regras de qualquer envolvido no inquérito.

“Não muda nada. O Elon Musk pode responder a um processo como qualquer outra pessoa. Em havendo a condenação, a aplicação da pena seria mais complexa, porque os Estados não costumam submeter seus cidadãos ao cumprimento de pena no exterior.”

Ele também afirma que uma eventual sanção a Musk ainda depende de avanços no inquérito. “Existe de fato um risco potencial de isso acontecer, mas é preciso que haja o desenvolvimento do inquérito. As condições são ainda bem embrionárias.”

Sukiennik critica a conduta da Corte que, na sua visão, violou procedimentos processuais adequados em ocorrências envolvendo o empresário.

É o caso, segundo ele, da intimação a Musk feita pelo ministro Alexandre de Moraes por meio de publicação no X. No documento, o magistrado exigiu que a rede social nomeasse um representante legal no Brasil no prazo de 24 horas, sob risco de suspensão, o que ocorreu após descumprimento da determinação.

“O procedimento correto é oficiar o Itamaraty, que então comunicaria as autoridades americanas para comunicarem a intimação”, defende o jurista. “Não imagino que Musk faça visitas ao Brasil para testar a interpretação do STF”, ironiza.

Os especialistas também divergem sobre possíveis repercussões para a reputação do Brasil e para as relações entre os dois países. Menezes vê a inclusão do empresário no inquérito como uma demonstração de que o Brasil pode punir pessoas independentemente de seu poder político e econômico.

“O fato de uma figura pública ser processada em um determinado país não depõe contra um país, pelo contrário: mostra o bom funcionamento das instituições. Do ponto de vista diplomático, é preciso separar a figura do Elon Musk da relação governamental entre os países. A prática que se discute hoje não tem a ver com as ações dele como integrante de governo. Todos precisam responder pelo que fazem na sua vida privada.

Sukiennik lembra que Trump já fez críticas à política comercial do Brasil e que a investigação em curso contra Musk pode suscitar questionamentos às instituições do País. “Se houver um ataque retórico contra o Brasil, isso pode ser usado para descredibilizar o Judiciário.”

A atuação de Moraes contra o X ganhou visibilidade mundial após as críticas públicas do empresário, que acusou o ministro de agir de forma autoritária ao exigir a derrubada de perfis da rede social. Alguns despachos que determinaram a suspensão de usuários se basearam em relatório da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação, órgão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), grupo que o próprio Moraes chefiou.

O documento cita decisões do magistrado em inquéritos do STF e casos em que ele atuou no TSE. Os pedidos de derrubada de perfis feitos via STF não eram acompanhados de fundamentação, citavam como base documentos sigilosos e exigiam que a ordem de bloqueio das contas do X também seja mantida em segredo.

Musk chamou Moraes de “pseudo-juiz”, disse que ele descumpriu as leis e publicou montagem em que compara o ministro ao vilão do filme Harry Potter.

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