Bolsonaristas acreditam que pressão do americano pode ajudar o ex-presidente a se livrar de acusações e recuperar direitos políticos
Jair Bolsonaro foi indiciado em três inquéritos, não pode se candidatar até 2030, está impedido de viajar ao exterior e há quem dê como certa a sua prisão num futuro próximo. O destino do capitão está mais do que nunca nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF), corte que foi alvo preferencial dos ataques do ex-presidente ao longo dos quatro anos de mandato e, como se descobriu depois, seria a primeira atingida num tresloucado planejamento de golpe de Estado que, segundo a Polícia Federal, previa até a execução de alguns desafetos. Diante desse roteiro, os magistrados, por óbvio, não dão nenhum sinal de benevolência com Bolsonaro e seus apoiadores investigados. Em meio ao cerco cada vez maior, aliados acreditam que Donald Trump, o presidente eleito dos Estados Unidos, vai conseguir fazer o que advogados, deputados e senadores bolsonaristas não conseguiram até agora: conter o ímpeto da Justiça, encerrando os processos criminais que tramitam contra Bolsonaro, e aprovar no Congresso uma anistia que permitiria ao ex-presidente disputar as eleições de 2026.
Trump tomará posse no próximo dia 20, após uma guinada e tanto na própria carreira. Ele foi derrotado por Joe Biden em 2020 alegando que uma fraude eleitoral impediu a sua reeleição. Ao fim do mandato na Casa Branca, parou no banco dos réus em sucessivas investigações e teve a sua carreira política considerada sepultada. Quatro anos depois, venceu as eleições, prometeu uma anistia aos criminosos que invadiram o Capitólio após sua derrota, anunciou que tornará mais rígidas as regras migratórias e empunhou a bandeira da liberdade de expressão irrestrita, trazendo para o núcleo duro do governo o bilionário Elon Musk, dono da rede social X, um notório desafeto do ministro Alexandre de Moraes. No ano passado, Musk e Moraes protagonizaram uma queda de braço. O X ficou fora do ar por quarenta dias e foi multado em 28 milhões de reais por se recusar a cumprir determinações do STF. Com o apoio do chefe de Estado americano, que teria prometido impor sanções pessoais, políticas e econômicas aos “perseguidores” do ex-presidente, os aliados de Jair Bolsonaro acreditam que a reviravolta que aconteceu lá pode se repetir no Brasil.
A garantia da interferência americana na política brasileira teria sido dada pelo próprio Trump e ocorreria em três frentes distintas. A primeira ação seria simbólica e miraria o STF. Segundo um assessor de Bolsonaro, os Estados Unidos cancelariam o visto dos onze ministros, sob o argumento de que eles estariam colaborando para a desordem democrática — nada que uma mudança de roteiro de férias não resolva. A segunda, de caráter econômico, incluiria criar dificuldades e até impor sanções a negócios brasileiros. Em outra frente, mais radical, o governo americano solicitaria o congelamento de contas e ativos que autoridades nacionais porventura mantenham no exterior. “Ainda que o Congresso Nacional (americano) não faça nada, se o Executivo quiser, pode fazer várias medidas para brecar o avanço do autoritarismo no Brasil”, previu Eduardo Bolsonaro durante uma live feita no final de novembro. O filho Zero Três do ex-presidente alertou: “Podem esperar: a conduta vai mudar e a cobra vai fumar”. Eduardo assumiu a Secretaria de Relações Internacionais do PL, o seu partido, e esteve pessoalmente com Trump durante a eleição americana.
Não está claro como essas medidas poderiam fazer os ministros do STF tirar o pé do acelerador contra o ex-presidente. Não se pode descartar também a hipótese de que Trump, caso realmente tenha se comprometido a se meter em assuntos políticos do Brasil, estivesse apenas fazendo mais uma de suas bravatas. A empolgação com os Estados Unidos, porém, vem acompanhada de um plano de remodelagem da legenda de Bolsonaro. Com quase quarenta anos de existência, o Partido Liberal tornou-se a maior agremiação do país após a filiação do ex-presidente, em 2021. Hoje um bastião do campo da direita, o PL já fez parte dos governos Lula e Dilma e ainda mantém em seus quadros figuras históricas que não rezam a cartilha dos militantes mais conservadores e por vezes contrariam certas orientações na hora de votar, o que tem gerado embates internos e uma disputa pelo controle da legenda. A ala mais radical quer o expurgo dos parlamentares que se aproximam de pautas defendidas pelo governo Lula — nos cálculos de um articulador da proposta, a “limpa” poderia atingir cerca de vinte parlamentares, baixa que seria compensada com a migração de políticos conservadores aninhados em outras siglas. Esse grupo tem como principal expoente o senador Rogério Marinho (RN), ex-ministro e um dos mais fiéis aliados de Jair Bolsonaro.
Há duas décadas no comando do PL — o que faz com que seja jocosamente chamado de Fidel Castro da legenda —, Valdemar Costa Neto montou uma trincheira para se proteger do tiroteio interno. Qualquer mudança ou expurgo teria de passar pelo aval dos membros do colégio eleitoral do partido, formado em quase a sua totalidade por seus aliados — e ele já avisou que não vai expulsar ninguém. “Nós temos que crescer para chegar novamente ao poder e, assim, avançar a agenda que nós defendemos. Não tem outro jeito, nós precisamos saber conviver e nos unir com outras pessoas. Caso contrário, não vamos vencer uma eleição”, afirmou. Em sua empreitada para “endireitar” o PL, Rogério Marinho quer ampliar os cursos de doutrinação. Valdemar, por sua vez, está de olho nas próximas eleições. Hoje, o PL tem 93 deputados e treze senadores no Congresso, o que lhe garante acesso a fundos eleitorais e partidários da ordem de 1 bilhão de reais. Para ampliar a bancada — e o caixa —, ele quer atrair celebridades. A cantora e influencer Jojo Todynho é cotada para disputar uma vaga de deputada pelo Rio de Janeiro em 2026. Já o fenômeno sertanejo Gusttavo Lima vem sendo cortejado para tentar o Senado por Goiás. O show não pode parar.