Envio de embaixadora para posse de Maduro reflete posição ambigua do Brasil sobre a Venezuela

3 de Janeiro, 2025

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País não reconhece resultado de eleição marcada por denúncias de fraude, mas mantém canais de diálogo abertos

O envio de representação diplomática para a posse de Nicolás Maduro na Venezuela reflete uma posição ambígua do Brasil sobre a ditadura chavista, segundo analistas ouvidos pelo Estadão. O País não reconhece o resultado das eleições — marcadas por denúncias de fraude — mas deve enviar a embaixadora em Caracas, Glivânia Maria de Oliveira, para cerimônia.

“Temos visto ambiguidades na política externa do Brasil para Venezuela e a posse ilustra muito bem isso porque o governo brasileiro não reconheceu a vitória de Maduro nas eleições”, afirma Mauricio Santoro, cientista político e colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marina. “Apesar disso, o Brasil não rompeu as relações diplomáticas”.

Irritado com a intransigência do regime que buscou normalizar, o governo brasileiro tem se afastado da Venezuela e até vetou a entrada do país no Brics. Evitou no entanto, adotar posicionamento mais crítico contra a ditadura chavista no intuito de manter os canais de diálogo abertos.

Caso receba o convite para a posse, o que ainda não ocorreu, o governo brasileiro decidiu que vai mandar a embaixadora em Caracas no lugar de um representante do alto escalão, como o presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, o vice, Geraldo Alckmin, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, ou o assessor especial do Planalto Celso Amorim.

“É uma solução contraditória”, afirma Santoro. Ele destaca que há divergências sobre como lidar com a Venezuela até mesmo na base de apoio do governo, lembrando que o Partido dos Trabalhadores (PT) reconheceu a contestada vitória de Nicolás Maduro e, mais recentemente, movimentos da esquerda enviaram uma carta pedindo a Lula que fizesse o mesmo.

Na avaliação de Santoro, essa contradição fica ainda mais latente considerando que o próprio governo petista foi alvo de uma trama golpista, como revelou a investigação da Polícia Federal. “O Brasil deveria ter uma atitude mais sólida na defesa de eleições livres e da democracia, sobretudo na América Latina, onde tem maior capacidade de influência”.

Ao que tudo indica, contudo, o País se mantém disposto em deixar aberta a possibilidade de diálogo com a Venezuela. E o envio da diplomara Glivânia Maria de Oliveira para a posse de Nicolás Maduro reforça essa intenção.

“Faz parte de uma postura, de certa forma, dual do Brasil, que não deve reconhecer a legitimidade de Maduro, mas também não vai acabar com as relações diplomáticas. Vai manter o mínimo canal de diálogo aberto. A escolha da embaixadora sinaliza para isso”, afirma Carolina Silva Pedroso, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

“Não reconhece a legitimidade de Maduro, mas reconhece o fato que ele é que detém o poder”, conclui.

Aliados históricos Nicolás Maduro e Lula se afastaram depois que os esforços por eleições transparentes na Venezuela fracassaram. O Brasil participou das negociações e condicionou o reconhecimento dos resultados à divulgação das atas, o que nunca aconteceu.

Ao mesmo tempo em que ignorava os apelos que vinham de Brasília, Maduro e seus aliados subiram o tom com ataques a Lula e Celso Amorim, acusados de estarem a serviço da CIA e dos EUA. Ainda assim, o Brasil resistiu em adotar posição mais firma contra a ditadura venezuelana. Os países que o fizeram tiveram seus embaixadores expulsos da Venezuela.

Internamente, o governo avalia que é necessário manter relações diplomáticas, inclusive poque o Brasil assumiu as embaixadas da Argentina e do Peru em Caracas. A primeira é ainda mais delicada: opositores venezuelanos estão asilados lá, sob cerco constante das forças chavistas.

Mas pelo menos até aqui, a estratégia não surtiu efeitos. Lula gastou capital político na tentativa de reabilitar Nicolás Maduro, para quem estendeu tapete vermelho em Brasília no começo do seu terceiro governo. E foi criticado ao sair em defesa da Venezuela, atribuindo a crise no país a uma “narrativa”. Maduro, por sua vez, não demonstrou qualquer disposição em cooperar.

Mesmo depois de aceitar as negociações que deveriam garantir eleições livres e justas em troca do relaxamento das sanções americanas, o chavismo impediu que o nome de María Corina Machado, a líder da oposição, estivesse nas cédulas. Os críticos ao regime, então, se uniram em torno do diplomata Edmundo González Urritia. Ele afirma ter vencido a disputa com folga e divulgou as cópias das atas de votação, que sustentam a sua versão.

O chavismo, por outro lado, proclamou vitória de Maduro sem comprovar os resultados, passando por cima da pressão internacional por transparência. Além disso, reprimiu com violência os protestos que se seguiram à eleição e ameaça prender os líderes da oposição. María Corina está escondida na Venezuela e Edmundo González, se exilou na Espanha.

A Venezuela oferece recompensa de US$ 100 mil dólares (620 mil) por informações que levem à prisão de González. Mesmo assim, ele promete voltar ao país para a posse, em 10 de janeiro, depois do que anunciou como “tour” pela América Latina (sem previsão de passagem pelo Brasil até o momento).

A primeira parada é Buenos Aires. González chegou nesta sexta-feira para o encontro com Javier Milei, crítico ferrenho de Nicolás Maduro que acaba de denunciar a Venezuela no Tribunal Penal Internacional (TPI) pela prisão do policial argentino Nahuel Gallo.

A oposição conta com apoio internacional e mobilização popular na esperança de virar o jogo. Acontece que o chavismo controla as instituições do Estado, as Forças Armadas e os grupos paramilitares, que se mantém fieis ao regime. E não deve conceder o poder.

A grande incógnita é qual será a posição dos Estados Unidos. Por lá, Donald Trump, volta à Casa Branca em 20 de janeiro, dez dias depois da posse na Venezuela. E ainda não se sabe o quanto de energia ele está disposto a gastar para tentar forçar mudanças no Palácio de Miraflores.

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