Ex-presidente apresentou pedido ao STF para anular apuração que ajudou a aprofundar investigações sobre golpismo em seu governo
Prestes a ser denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no inquérito que apura os planos golpistas urdidos em seu governo, Jair Bolsonaro lançou uma cartada no STF para tentar derrubar um caso que foi decisivo para aprofundar essa investigação: a fraude no cartão de vacina de Bolsonaro e de assessores. Nessa frente, o ex-presidente foi indiciado por associação criminosa e inserção de dados falsos em sistema de informações.
Embora a suposta fraude no cartão de vacinação contra Covid-19 não tenha relação direta com o golpismo, foi no âmbito dessa apuração que, em maio de 2023, o ministro Alexandre de Moraes mandou prender o tenente coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e delator, e autorizou um mandado de busca e apreensão contra ele.
Na operação, batizada como Venire, a Polícia Federal acessou informações de aparelhos eletrônicos do militar que ajudaram a desenhar a trama golpista. Na ocasião, o celular de Bolsonaro também foi apreendido. Quatro meses depois, Cid fechou delação premiada com a PF.
No último dia 20 de dezembro, os advogados de Jair Bolsonaro apresentaram ao Supremo um mandado de segurança que questiona diversos pontos da investigação sobre o cartão de vacina e da atuação de Moraes à frente do caso. O pedido é para que a apuração seja anulada, assim como todas as provas decorrentes dela — ou seja, o material apreendido com Mauro Cid. A relatora sorteada para o caso foi a ministra Cármen Lúcia.
A defesa de Bolsonaro argumentou que a petição número 10.405 do STF, em cujo âmbito a Operação Venire foi deflagrada, foi ilegalmente instaurada por Alexandre de Moraes e distribuída a ele pelo próprio ministro. Os advogados sustentaram que, embora não seja formalmente um inquérito e, portanto, não esteja regida pelos mesmos parâmetros e controles legais, essa petição é um “inquérito travestido”, aberto sem participação ou pedido da PGR ou da PF.
Outro ponto atacado pelos defensores de Jair Bolsonaro é a alegada falta de relação entre o caso da fraude no cartão de vacina e os inquéritos das fake news, das milícias digitais e o que apurou vazamento ilegal de dados por Bolsonaro de uma investigação da PF sobre urnas eletrônicas. Assim, não haveria motivo para que Alexandre de Moraes, responsável por esses inquéritos, fosse também o relator das investigações da Operação Venire.
Segundo os advogados, a atuação de Moraes fere os direitos à “dignidade da pessoa humana” de Bolsonaro, além de violar a presunção de inocência, o princípio do juiz natural, a ampla defesa e o tratamento equidistante do juiz às partes, entre outros.
Nas palavras da defesa, que Cármen Lúcia vai analisar, Bolsonaro e outros investigados “estão sendo submetidos à infundada e ilegítima investigação travestida de ‘Petição’ violadora de inúmeros princípios constitucionais e indevidamente conduzida por órgão incompetente e por relator/julgador desprovido de imparcialidade, o que lhes ocasiona diuturnamente prejuízos irreparáveis aos seus direitos constitucionalmente garantidos – principalmente o devido processo legal, ampla defesa, imparcialidade e vedação a juízo de exceção”.
Estratégia repetida
A estratégia usada agora pelos advogados de Jair Bolsonaro não é exatamente nova. Como mostrou a coluna em março, a defesa do ex-presidente já havia lançado a mesma tentativa, mas sem ser em nome de Bolsonaro. A ação havia sido apresentada ao STF por meio de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) protocolada em nome do Progressistas, partido comandado por Ciro Nogueira, ex-ministro da Casa Civil no governo Bolsonaro.
A ADPF foi rejeitada em decisão monocrática do ministro Dias Toffoli, em setembro, depois mantida pela Segunda Turma do Supremo, por unanimidade, em julgamento virtual concluído em novembro.